14 de maio de 2013

Tive um professor em Porto Alegre que dizia que todos nós somos imbecis pelo menos três vezes ao dia. Eu concordo. Por sorte quase nunca essas estupidezes têm consequências maiores. É tão frequente cometermos erros de comportamento que nem nos damos conta. Por exemplo, dirigir e observar mulheres que caminham no passeio. Inúmeras porradas no trânsito já ocorreram, e continuarão ocorrendo, por conta dessa distração. É uma imbecilidade, pois nos tira os olhos do perigo à frente e ainda nos faz devanear afastando nosso pensamento da concentração necessária para dirigir. Que é gostoso todos sabem, mas aquela porradinha na traseira do carrão acaba com todo o prazer imaginativo. Das mulheres que azaramos nos esquecemos logo, mas jamais apagaremos o incidente que termina com a mão no bolso.

Subir uma escada mal arrumada, ou num banco instável, para apanhar algum objeto num armário alto é outra dessas imbecilidades. Inúmeras pessoas já perderam a vida assim. E fazemos isso por pura preguiça. Ou pressa. Veja, caro amigo, o que me ocorreu ontem.


Fui convidado a um pedal por meu cunhado. Era cedo e eu estava atrasado. Repassei minha lista de procedimentos que tenho fixada na parede: computador, sensor cardíaco, água, óculos, luvas, capacete... Quando cheguei na garagem ele já estava me esperando, eu retirei minha Mad Max (é o nome que demos à bicicleta) do gancho na parede e montei. Tudo apressado, dos equipamentos que costumo instar apenas a garrafa d’água estava colocada no suporte.


Saí para a luz ofuscante do dia sem nuvens. Parei por uns poucos segundos para instalar o computador e apertar o botão que o liga. Depois, já com a bicicleta em movimento, bem devagar, eu ia ajustando e respondendo às perguntas que ele sempre faz: o mapa é muito grande, não cabe na memória, prossegue? Movimento detectado, pode dar partida automática?


É interessante que o computador seja acionado logo para que as leituras de trajeto, velocidade média, máxima, distância percorrida, sejam feitas desde o início. Eu vinha concentrado nisso, pedalando de frente para o sol e bem próximo aos automóveis estacionados. Cabeça baixa e distraído em relação ao entorno, meu companheiro ia na frente.


Não me lembro como percebi, mas creio que o caminhão de mudanças que estava estacionado não seria percebido tão facilmente quanto um automóvel. Primeiro que ele é mais largo, o trajeto tangente a um sedan leva a uma colisão com o grandão. Sua carroceria é alta e quando apareceu por baixo da aba frontal do elmo, protetor solar, eu já estava com a roda da frente debaixo da traseira. Uma das mãos estava no computador e a outra no chifrinho do guidão. Não deu tempo de frear. Por puro reflexo apoiei ambas mãos na parede metálica para salvar o nariz. Nunca foi muito bonito, mas é o meu nariz e o prefiro feio como é, mas cumprindo suas funções fisiológicas a contento.


Estabelecido o contato que parou o movimento para a frente na altura dos ombros, o restante do corpo que estava abaixo seguiu seu caminho por inércia, junto com a bicicleta. Não consigo me lembrar de detalhes, mas posso descrever o acontecido por pura lógica de um engenheiro. Toda a minha carcaça de 80 quilos girou em torno dos ombros, pois meus braços foram fortes o suficiente para resistir ao esforço, posto que minha cara está do mesmo modo que antes. O detalhe agravante é que eu estava clipado, isto é, usando sapatilhas presas aos pedais. Os clips se abrem com algum esforço, mas demoraram algum átimo até que meus pés ficassem livres.


Ato contínuo, o meu traseiro, até então confortavelmente apoiado no selim, deslizou para trás e eu perdi o apoio. Isso aconteceu muito rápido, quase que simultâneo, embora não o seja. Eu não posso precisar o que ocorreu primeiro, se a desclipagem ou a perda do apoio da bunda. Mas eu estava irremediavelmente no ar com o corpo girando em torno de um eixo horizontal transversal ao meu trajeto anterior. Logo eu estaria na horizontal deitado numa cama imaginária a um metro de altura do solo.


Caí como cai um judoca levado a ippon. Bati os dois antebraços com as palmas das mãos para baixo, depois os cotovelos que rasparam o asfalto, depois as costas com uma fisgada forte e, finalmente a cabeça. Eu estava com a face para cima e a parte posterior do capacete bateu forte no chão. Até arrancou um pouco do revestimento de decoração.
Knock down. Por uns três segundos eu não conseguia me mexer. Meus óculos escuros haviam desaparecido. De alguma forma incrível saíram do meu rosto e uma das lentes fora arrancada. Mas eu ainda não sabia de fato o que ocorrera. Meu companheiro que estava adiante não tinha percebido, até comentou depois que olhou para trás e não me viu, só enxergava as pessoas que correram para me acudir.


Passado o efeito do impacto eu, com muita dor na espádua direita, rolei para me apoiar e tentar me erguer. Vi que já havia duas pessoas perto e falei a frase tranquilizante:


- “Não me toquem, eu estou bem.”


E estava, a dor cedeu rapidamente e o que mais me incomodava eram os cotovelos ralados. 


De crista quebrada, agora já assistido pelo cunhado, ajuntei as partes de meus óculos e voltei para a garagem. Lá eu tinha outro par no carro.


Avaliei meu estado de espírito, o potencial de estar escangalhado e julguei adequado manter o exercício programado. Pedalamos 20 km e nada, além dos arranhões, me incomodava.


Apesar de todas as imbecilidades que cometo em duas rodas tenho uma virtude de segurança, devo enaltecer o uso do capacete. Tenho certeza absoluta que se estivesse com a cabeça desprotegida eu teria sido seriamente ferido.


Ontem ao entardecer eu senti uma fisgada nas costas. A dor aumentou bastante e invadi a gaveta de medicamentos de minha ginecologista (esposa) para furtar um mata dor. Consegui dormir bem, mas cada vez que me mexia despertava. Hoje fui a um ortopedista e o diagnóstico é favorável: três semanas de dor forte. Ele disse que não vou morrer disso.


A notícia ruim é que não vai rolar o pedal de morro abaixo em Urubici neste fim de semana. A menos que os fanáticos queiram ir sem mim, mas não seria a mesma coisa. Quem vai contar numa crônica depois?

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